Psicanálise: o que funciona e o que não funciona.

Psicanálise: o que funciona e o que não funciona.

A atualidade é marcada pela necessidade de produzir, acertar, funcionar. O perfeccionismo, o êxito e o sucesso é o esperado em qualquer empreitada.

Mas, se pensamos em psicanálise, o que é funcionar? Lacan, quando fala sobre “funcionar”, a que ele se refere?

Recorrendo ao Dicionário Aurélio (1988), funcionar significa “1. Exercer as funções; estar em exercício; trabalhar. 2. Mover-se bem e com regularidade; realizar os seus movimentos; trabalhar. 3. Estar em atividade. 4. Estar em vigor; subsistir, vigorar. 5. Dar bom resultado; ter bom êxito.

Ora, é com muito cuidado que se deve referir à psicanálise quanto ao que “funciona” e ao que “não funciona”.

Lacan na Conferência que fez em Milão (1975) afirma que o sexo entre o homem e a mulher não funciona. “Foder uma menina não funciona!” – e continua: “A pergunta que se fazem é como fazer isso funcionar!” e brinca: “Freud até pergunta a uma mulher o que uma mulher poderia querer?”

Para a psicanálise a relação sexual não funciona. O aforismo: “Não há relação sexual” confirma isso.

Também afirma que o Nome-do-pai não funciona. É um semblante, um significante que substitui outro significante. O Nome-do-pai que funcionaria como uma referencia simbólica reguladora das leis e dos laços sociais se desvanece dando lugar à proliferação dos modos de gozar.

No discurso do mestre, Lacan diz que ele funciona na medida de que o S1 faz o S2 funcionar. O S2 sabe alguma coisa. Ainda que o S2 não o revele, já que a verdade é meio dita, ele sabe que não há relação sexual.

Eis o que constitui a verdadeira estrutura do discurso do senhor. O escravo sabe muitas coisas, mas o que sabe muito mais ainda é o que o senhor quer, mesmo que este não o saiba, o que é o caso mais comum, pois sem isto ele não seria um senhor. O escravo sabe, e é isto sua função de escravo. É também por isto que a coisa funciona, porque, de qualquer maneira, funcionou durante muito tempo. (LACAN, 1969/70, 1992. P.32)

O desejo do senhor é o desejo do Outro, pois é o desejo que o escravo predispõe. (Lacan, 1969/70, 1992, p.38)

Já o discurso universitário, ainda que insista, há algo que não funciona. A ciência se força a tudo saber e colocar tudo a funcionar, mas algo lhe escapa. A ciência sugere a autoanálise, mas não sabe que escrever é diferente de falar, e que ler é diferente de escutar (Lacan, Conferencias y charlas en universidades norteamericanas, nov. 1975, p. 35 e 36)

Quanto a prática da psicanálise, Lacan coloca que o analista pode se valer da regra da associação livre “isso pode funcionar, o que você [o analisante] produzir será sempre válido.” Mas Lacan em várias passagens dos seus seminários adverte que a psicanálise não deve se voltar para a cura, porque “isso falha!”.

Isso é reforçado por Sérgio de Campos (2011, p. 147) que acrescenta que a prática analítica não funciona quando o analista flerta com o discurso do mestre disfarçado de interpretação freudiana; ou quando coloca a doutrina a serviço de um saber, na clínica estrutural; e ainda quando opera com sua divisão nas diferentes forma de ajuda.

Miller (2011) nos adverte que práticas de sugestão e outras que visem a “que isso funcione, em todos os casos!” não funciona. A pratica psicanalítica tem que ser inventada no caso a caso e deve se distinguir das práticas do “isso funciona”.

Aliás, a prática da psicanálise se dá sob o “isso falha”, já que a psicanálise é uma profissão impossível.

Ele (Lacan) nos inoculou esses termos que, precisamente, nos protegeram, nos protegem, são como anticorpos em relação ao discurso do “isso funciona” e das novas práticas da psicanalise que, todas, tem esse princípio. Chego até a dizer: a prática lacaniana exclui a noção de sucesso! (Miller, Uma fantasia, 2004)

Para Miller (2004) o objeto a mais de gozar comanda o “isso falha”. É o objeto a que divide o sujeito ($). Falhar é a condição para que se resista ao discurso da civilização hipermoderna.

O inconsciente funciona. Mas como funciona o inconsciente? Quando ele funciona, algo enguiça. “Ali está a irrupção de toda a fase de lapsos e tropeços em que se revela o inconsciente”. (Lacan, 1969/70 – 1992, p. 30) O inconsciente é justamente a manifestação daquilo que escapa, que não se controla, não tem ordenamento nem acertos.

Referencias

Curinga. (2011) Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise – Seçao Minas, n. 33, dezembro de 2011.

LACAN, Jacques. (1969/70 – 1992) O Seminário livro 17. O avesso da psicanálise. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.

MILLER, Jacques-Alain. (2004) Uma fantasia. Comandatuba, BA, 2004. http://2012.congresoamp.com/pt/template.php?file=Textos/Conferencia-de-Jacques-Alain-Miller-en-Comandatuba.html

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